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Pelas Joanas e os Nandos
O que a iniciativa Acenda uma vela fez por mim, pelos pais e todos os que estiveram presentes

15/12/2015
Autor: Joana Martins Gomes

 

Decidi que vou escrever esta reportagem na primeira pessoa, porque sou jovem, sou filha, irmã, prima e já fui criança.
 
13 de dezembro de 2015 não foi apenas um domingo chuvoso e de fortes rajadas na capital portuguesa, foi o dia em que vi a força que um mero ato de acender uma vela tem! 
 
Eu andava apressada entre fotografias e vídeos, tudo para conseguir captar toda a essência do evento “Acenda uma vela”, uma organização da APELO, e da qual o Até Sempre fazia parte. 
 
A primeira vez que este evento se realizava em Portugal e eu estava lá. Os meus colegas de trabalho estavam lá. Alguns dos nossos parceiros do dia-a-dia estavam lá. Todos estavam ansiosos por dar alento a quem participaria nesta iniciativa.
 
Faltava pouco mais de uma hora e no Museu da Água, em Lisboa, ecoava a voz do André Sardet que testava o som e toda a logística que lhe é impingida. 
 
Não tardou em que os primeiros corajosos a enfrentar o mau tempo que se fazia sentir começassem a chegar. 
 
Nos rostos de cada um vi a expetativa a crescer. A inquietude. Os mais novos agarrados às mães, às tias ou às avós... Não sei! Sei que nos rostos deles via-se a curiosidade e a vontade de “saber o que vai acontecer”, dizia-me um.
 
Este é aquele tipo de evento que é feito pelas pessoas, com as pessoas e por as pessoas. Neste caso, pessoas que perderam alguém que os deixou cedo de mais. 
 
Morrer no dia que se nasce
 
Sandra… Atualmente mãe de um rapaz com sete anos. Há 11 anos era (só) mãe de uma menina que ainda hoje lhe faz os olhos brilhar. 
 
“A Joana tinha qualquer coisa” diz-me a Sandra enquanto converso com ela sobre o que a motivou a estar presente no “Acenda uma vela.” Veio do Algarve, de Olhão para ser mais precisa. Três horas de viagem para cima e mais três horas para baixo, tudo porque quis acender a vela pela Joana: “É muito importante juntar-me a iniciativas que também homenageiam a minha filha”, confessa-me.
 
“Passei muito tempo em Lisboa quando a Joana estava doente. Quando vi esta iniciativa disse logo que tinha de estar presente. Já passaram 11 anos desde que a Joana morreu mas a dor não muda. Quando andava pelos corredores do IPO via pais a perderem os seus filhos e achava eu que sentia aquela dor como se fosse minha, não!
Quando bateu na minha porta foi uma dor muito maior. Algo que não consigo descrever”, conta-me a Sandra.
 
Senti a voz dela a ficar mais trémula, nervosa, mas não chorou, sorria… Sorria sempre que pronunciava o nome da sua Joana. 
 
Aos dois anos foi diagnosticado um tumor cerebral à Joana, que apesar as várias operações acabava sempre por voltar.
Aos quatro anos, a batalha da Joana terminou.
 
Passados todos estes anos já se permite recordar os momentos difíceis com descontração. E há até uma história que a mãe Sandra não esquece: "Estávamos a comer esparguete com carne quando percebi que a Joana já não estava a conseguir acertar nos fios do esparguete. Ela levantou a cabeça e disse-me “também já estou a ficar cegueta”. Hoje reconheço a força que me estava a transmitir, a forma descontraída com que enfrentava a doença e me queria despreocupar, mas sei que ela sempre se apercebeu de tudo.” 
 
Dois anos de luta… Dois anos que terminaram exatamente no dia em que Joana nasceu pois faleceu no dia em que fazia quatro anos. “É um misto de sensações, foi dia que tive tudo e que perdi tudo”, desabafa a Sandra.
 
Mas Sandra não era a única com uma homenagem a prestar...
 
O erro de outro
 
Álvaro e a esposa também foram acender uma vela pelo “Nando”, uma perda que após três anos os abala como no primeiro dia. As lágrimas correm pelo rosto da mãe que perdeu o filho a 200 metros de casa por culpa de “um bêbado que o atropelou”. 
 
Esta é aquela história que me faz tremer as pernas! Tenho perante mim uns pais apanhados desprevenidos pela “maior dor que existe”, que foram obrigados a agarrar-se um ao outro como me confessaram, para tentar “sobreviver” ao que lhes aconteceu.
 
“Sempre dei liberdade ao meu filho, tinha-lhe instituído valores e deixava-o sair com os amigos normalmente. Aquela era uma noite como qualquer outra. Vi que ele ainda não tinha chegado mas estaria com os amigos como de costume. Três e meia da manhã, dois polícias batem-me à porta e disseram: “o seu filho foi atropelado e morreu.” Lançaram a bomba e saíram”, é desta forma que Álvaro me conta a trágica noite.
 
"E depois?" perguntei-lhe eu, também ansiosa e nervosa com aquele desabafo! “Depois fiquei eu e a minha mulher, sem saber de mais nada, até de manhã. Entregues um ao outro, sem ouvir uma palavra, um conforto, sem ter um amparo. Sai de casa, fui ao local do acidente, tinha sido a uns 200 metros da minha porta. Ainda vi os estilhaços e as marcas que tinha causado.” 
 
A mulher de Álvaro não conseguia conter as lágrimas, mas disse-me ainda magoada que “ninguém tem a preparação que devia ter para dar estas notícias, os polícias naquela noite lançaram aquela bomba e foram embora. Isso não se faz! Ninguém os prepara.”
 
Durante os últimos três anos e quatro meses, os pais de Nando lutaram na justiça contra o homem que lhe tirou o filho. “Apanhou três anos de pena suspensa, e pronto. É isto a nossa justiça”, releva-me o Álvaro com revolta.
 
Se fosse vivo, Nando teria agora 22 anos… A vela que os pais lhe acenderam é a luz que os ilumina, porque “não há nada mais importante que começar a falar sobre a morte e as marcas que ela deixa.”
 
Dizia eu no início deste texto que tinha decidido escrever na primeira pessoa e sabem porquê? Porque é preciso quebrar barreiras, é preciso falar das coisas e exprimir aquilo que sentimos sempre que ouvimos falar de temas que ainda nos “assombram”. 
 
A mim não me assombra porque percebi com esta iniciativa que as luzes não podem ser esquecidas, e que não há nada melhor que o brilho nos olhos de um pai quando se pergunta do filho, mesmo sem ele estar presente.
 
Eu, a Sandra, o Álvaro, o André, a Irene, a Cristina, o Miguel, a Maria, a Catarina, o Tomás, o Marco e tantos outros sentimos que fizemos parte de um dia histórico. Acredito que também tenha sentido.
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