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“O seu filho tem lesões cerebrais…”
O dia em que o mundo de uma mãe desaba...

3/12/2015
Autor: Cristina Felizardo - Conselheira do Luto

 

“ … O seu filho tem lesões cerebrais…” disse a médica com um ar descontraído e com um tom de voz casual.
 
Nesse dia o meu mundo desabou!
 
Foi como se tivesse sido levada num turbilhão de emoções, medo, pânico, tristeza, desapontamento, … para uma sala sufocante onde só estava eu e aquele bebé de 4 meses, até então meu filho, mas que agora com lesões cerebrais era um perfeito estranho para mim!
 
Nessa noite o sentimento de solidão era avassalador! Liguei à minha melhor amiga... Não podia falar com o meu marido… ele estava como eu! Entre lágrimas e gritos lá lhe contei o que se passava… não me pareceu surpresa!
 
Agora, recuando no tempo, talvez os sinais fossem evidentes a outros olhos que não os de mãe.
 
Algures por entre palavras de conforto e de força disse-me: “Agora vais desconstruir a realidade que construíste até agora…”. Não a entendi! Sei que estava a articular palavras, a proferi-las numa frase, mas sem qualquer sentido para mim. Senti uma frustração tremenda: eu estava a passar as piores horas da minha vida e ela a proferir frases sem nexo!
 
Continuei sozinha… Mais tarde aprendi que este é um caminho solitário…
 
Permaneci naquele quarto, noite dentro, sem conseguir dormir, perto daquele bebé, com lesões cerebrais, que dormia aninhado no seu berço. De vez em quando lá se mexia um pouco e, inquieto, começava a chorar! Assim permaneci, sem vontade de me levantar, sem vontade de o aconchegar!
 
Na minha cabeça, a palavra deficiente passava uma e outra vez
 
Apenas acordei deste estado dormente, quando uma enfermeira de sensibilidade extraordinária veio ter comigo, sentou-se à minha frente e apenas me perguntou: ”O que mudou? “... ”Tudo”, respondi-lhe eu: ”Ele tem lesões cerebrais…”
 
Ela levantou-se, pegou naquele bebé, colocou-o nos meus braços e disse: “O conhecimento que tem da realidade é que mudou. Este bebé é o mesmo de ontem, de anteontem, de há uma semana, de há quatro meses!” 
 
Foi o abanão de que necessitava. A chamada à realidade… Saí do estado de transe dormente e iniciei a minha caminhada nesse tal processo de desconstrução da realidade sonhada. Aquele bebé, afinal era o meu filho e nesse momento precisava de mim!
 
Maria, tinha um sonho, o sonho de vir a ser mãe de um belo rapaz, forte, audaz e bem sucedido.
 
Maria, tinha este sonho… mas de repente a vida aconteceu! O seu filho perfeito não existia e deu lugar a um outro, mais frágil, dependente e com cuidados especiais de saúde. Perdeu a fantasia do afeto do filho imaginado. Iniciou aqui o seu processo de luto pelo filho saudável. Foi com este processo, com esta desconstrução do sonho e o encarar de frente a realidade, foi com muitas lágrimas, tristeza, revolta e solidão, foi depois de largar o filho fantasia, que Maria ficou disponível no seu coração para amar o filho que tinha à frente. Foi assim que Maria aprendeu a ver o filho na doença, em vez de ver a doença no filho.
 
Hoje, Maria é a mãe de um rapaz de 8 anos, com atraso cognitivo, incapacidade de aprendizagem da fala, alimentado por sonda e com esteriotipias típicas do expectro do autismo.
 
Hoje, Maria é a ORGULHOSA mãe de um rapaz de 8 anos, que tem um sorriso encantador, adora dançar e trautear as músicas pop que passam na rádio, adora dar comer aos patos e correr no parque, espalha beijos e mimo por onde passa, gosta de jogar às escondidas com os primos e adora arreliar a mãe com a guerra das torneiras da água.
 
Maria fez a sua caminhada no luto por perda de fantasia de afeto: voltou a estar serena, em harmonia e em paz com o seu filho, o seu mais que tudo.
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