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<<Segurar num caixão aos 10 anos mudou-lhe a vida

6/10/2015
“Outsider” é assim que o agente Mário Rui Ramos, da Funerária Clássica, se intitula quando o Até Sempre o questiona sobre o seu papel no mundo fúnebre.
“Normalmente, são agentes funerários aqueles que já têm a família envolvida ou são funcionários de uma agência”, diz Mário Rui. Ele não começou por nenhum desses motivos.
Confessou ao Até Sempre que até tinha medo de mortos e fazia-lhe impressão pensar em lidar com corpos. “Sempre que via um cadáver era o primeiro a sair dali”, admite. Mas por conta do desafio que partiu de um amigo aventurou-se.
Corria o ano de 1988 quando o tal amigo da Funerária Cristã dos Anjos precisou da sua ajuda e surgiu a primeira experiência. Mesmo com medo, Mário não desperdiçou a oportunidade: “Antigamente faziam-se muitos serviços para fora de Lisboa e eu gostava de passear era uma excelente oportunidade.”
O que seria apenas uma experiência de um dia, tornou-se numa aventura que não mais parou.
Uma história que começa em pequenino
Tinha dez anos quando presenciou pela primeira vez a morte. A avó materna de Mário faleceu em casa e, como tal, os funcionários da Agência Funerária contactada tiveram de se deslocar até ao local para ir buscar o corpo.
Até aqui tudo bem! O que Mário Rui Ramos não esperava era presenciar e ajudar nessa tarefa.
“Os senhores da agência levaram o corpo pelas escadas abaixo e eu tive de segurar na tampa do caixão. Aquilo fez-me imensa impressão”, recorda.
Aníbal, um dos funcionários da funerária, ao ver o pequeno Mário naquele estado atreveu-se a brincar com ele e lançou: “Um dia ainda hás-de ser cangalheiro”.
Coincidências das coincidências, a agência que fez o funeral da avó era a mesma onde iria trabalhar o amigo que o desafiou para a primeira experiência no setor. Afinal, os anos passaram e deram razão ao Senhor Aníbal.
“Apagar outros fogos”
Bombeiro desde 1988, o dono da Funerária Clássica considera que “ser bombeiro não é uma profissão, é vocação”, e foi por isso que durante dez anos se dedicou inteiramente à Corporação de Campo de Ourique. Obrigando-se assim a fazer uma paragem no mundo fúnebre.
“Uma paragem” como quem diz! Já que sempre que tinha uma folga ou havia necessidade lá ia dar uma mãozinha:“Era uma espécie de agente funerário freelancer.”
Em 2004 optou por ir “apagar outros fogos” e atirou-se de cabeça na abertura da sua própria funerária. Esta aventura com um amigo não foi além de um ano de vida.
Ainda assim, o agente funerário não desistiu e voltou a tentar, desta vez com a esposa. Desta tentativa nasceu a Funerária Clássica, numa zona nobre de Lisboa: Belém.
A parceria que já dura há uma década e o resultado é positivo, ainda que não seja um negócio milionário e que Lisboa seja o “pior mercado de trabalho”, como classifica Mário. E continua: “Preferia trabalhar no Algarve ou em Trás-os-Montes, onde a concorrência é diferente.”
Quanto ao futuro, Mário Rui Ramos admite que acredita que passa pela fusão de várias empresas do setor funerário para que este se torne mais unido e cooperativo.
O que não se esquece...
“Eu gosto do meu trabalho, apesar de não ter gosto. Mas é importante ser profissional”, Mário fala assim daquilo que o move todos os dias.
Como em todas as profissões há o bom e o mau. Nesta não é exceção! E quando o Até Sempre falou com o agente funerário sobre o pior deste mundo surge um desabafo que mistura tristeza e felicidade, pois recorda, de pronto, a história de Carlos Alberto, um dos funcionários da Funerária Clássica que vivenciou a morte e a vida ao mesmo tempo: “No momento em que estava a fazer uma cremação de um bebé, estava a nascer a neta dele. São momentos como estes que nos marcam , mas ao mesmo tempo nos fazem ganhar calo. Nunca mais me esqueço desse dia.”