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<<O medo de (não) arriscar

28/07/2015
Apresentamos-lhe Cristina Oliveira, mãe de duas meninas, esposa, filha, irmã e agente funerária.
Corria o mês de julho de 1983 quando a mãe de Cristina decidiu arriscar e alugar um pequeno espaço que se iria tornar na Agência Funerária Pátria. O risco da mãe foi por amor ao pai…
O senhor Joaquim trabalhou durante 27 anos numa agência funerária, era funcionário e era a “cara da agência”, diz-nos. Ao fim de mais de um quarto de século, Joaquim ficou dois anos a trabalhar em tudo menos no setor funerário, o “único trabalho que o fazia feliz”. O pai de Cristina Oliveira chegou a ter cinco empregos para manter a família, mas todos sabiam que não estava feliz. Essa infelicidade levou a mãe a incentivar a abertura da funerária.
Cristina tinha na altura 16 anos, o sonho do pai era que fosse médica e ela até chegou a inscrever-se na escola de enfermagem. Esta ambição da mãe deitou por terra esse objetivo e Cristina Oliveira dedicou-se inteiramente à agência funerária com o pai.
“Os primeiros seis meses foram muito difíceis. Mas com muito esforço, e a viver só com o ordenado da minha mãe, conseguimos endireitar-nos a partir do início de 1984”, relata-nos Cristina. E continua: “O meu pai era a cara da outra agência e os clientes acabaram por nos procurar. Mas nunca calcamos ninguém: Não há um colega nosso que o possa dizer.”
Mais que qualquer outra coisa, mãe!
Cristina Oliveira tem duas filhas, de 15 e 18 anos. Confessa que são elas a sua “maior prioridade”, mas que muitas vezes o trabalho se sobrepõe e as filhas cobram-lhe isso.
Quando deu esta entrevista estava de férias e ao fundo conseguimos ouvir a mais velha perguntar se já estava a trabalhar outra vez! Apesar de ser um trabalho “sem horários, fim de semanas ou feriados”, as filhas de Cristina nunca tiveram problemas em aceitar a “vida do setor funerária”.
“No início foi engraçado. A minha filha mais velha ficava entusiasmada por ir buscá-la no carro funerário à escola”, relata Cristina. E ainda nos conta uma confidência: “A minha mais velha queria ver o morto, e eu deixava. Ela ficava lá sossegadinha a ver-me tratar de tudo e só quando já estávamos no carro é que fazia perguntas.”
Cristina amamentou até tarde e recorda que muitas vezes o marido “corria” atrás dela de funeral em funeral para que pudesse alimentar as meninas. “Era complicado gerir a vida familiar, ainda é, mas vamos conseguindo”, diz-nos a agente funerária.
Quanto ao futuro, nenhuma das filhas tenciona seguir-lhe as pisadas, a menos “que haja necessidade.”
“Lançada aos leões”
É a primeira a chegar à agência situada na Rua Campo dos Mártires da Pátria e a última a sair. Divide o negócio com o irmão e a cunhada. Já o pai só vai dando uma ajuda quando necessário. Ou então faz “a parte chata das cobranças”. Cristina admite que lhe diz: “oh paizinho vai lá”, e ele já sabe de que se trata.
Cristina Oliveira orgulha-se em dizer que o pai lhe transmitiu valores que muito lhe dizem. Ensinou-a a ter “medo do retorno”, pois acredita que as coisas “se pagam em vida”, e portanto vive de forma tranquila e sem atropelos. Preserva muito o respeito pelos outros, especialmente pelos colegas de profissão, revela a própria.
Há 32 anos, Cristina foi “lançada aos leões” pelo pai. “Antigamente não havia a proteção que há hoje. O meu pai nunca me protegeu tanto como protege as minhas filhas e, ainda bem, amadureci depressa.”
Para orgulhar o pai, a agente funerária propôs-se ao ensino universitário e está à espera de saber se fica colocado no curso de solicitadoria. Um curso que vai de encontro às necessidades da profissão e que espera que seja “um complemento” àquilo que faz.
A dor dos outros
Ninguém diz que esta profissão é fácil. Cristina também não o faz.
“Há mortes que ainda mexem comigo, mas nesse momento coloco uma máscara”, conta-nos, prosseguindo: “Estou ali para aliviar e ajudar, não para viver a dor dos meus clientes, ainda que seja difícil”.
O Até Sempre cativou Cristina no primeiro momento. “Achei que era o que faltava. Gostei do projeto pela simplicidade e a imagem que apresenta. Faz-me lembrar que somos efémeros”, desvenda-nos.
“Uma efemeridade colmatada pelas palavras, pelas homenagens que perduram no Até Sempre”, conclui Cristina.