Notícias

Categorias

<<
Alto Pina: 50 anos de um amor funerário
A determinação de Américo fez nascer a casa que enche de orgulho os gémeos Cristina e Carlos. Meio-século de um amor que começou a ser desejado em terras alemãs e foi consumado num típico bairro de Lisboa

14/12/2017
Autor: Irene Palma

 

Américo nunca pensou andar de mãos dadas com os, na época, chamados caixões, nem tão pouco esta era a sua vida de sonho quando era empregado da Carris, mas uma primeira sociedade no ramo funerário mudou-lhe a vida. A ligação aos sócios durou pouco tempo, mas tinha bem definido o rumo que queria dar à sua vida: abrir uma agência funerária por conta própria.
 
Estávamos na década de 60 quando emigrou para a Alemanha na busca de uma vida melhor, para juntar dinheiro e poder regressar a Portugal para se estabelecer sozinho. Por terras alemãs trabalhou na indústria. A mulher, Célia, e os pequenos gémeos Cristina e Carlos, com apenas 17 meses, acompanharam-no nesta aventura. Por lá ficaram dois anos.
 
Regressaram a Lisboa com o que conseguiram amealhar como emigrantes, para abrir a (desejada) agência funerária. A tia de Célia encarregou-se de dar um empurrão, sugerindo uma loja vaga que serviria para o efeito. Ficava na zona do Alto Pina, um típico bairro lisboeta, por isso foi óbvio o nome para o sonho de Américo: Funerária Alto Pina.
 
Fundou a funerária a 14 de Dezembro de 1967. Há precisamente 50 anos concretizou-se o sonho de Américo Pereira de Almeida. Um sonho que o acompanhou até ao final de vida, a 6 de Março de 2013.
 
“Nasceram-me aqui os dentes”
 
Os gémeos Cristina e Carlos tinham apenas três anos quando a caminhada na funerária começou. Viram os caixões de então se transformarem em urnas. Presenciaram a evolução de um setor do qual muitos fogem, mas que para eles, os dois, desde sempre se tornou uma paixão.

“Como era o Américo pai? Era muito recto. Só dizia as coisas uma vez. Sempre foi muito sério e exigente connosco. Não gostava da mentira. Estava sempre a trabalhar. O trabalho naquela época era muito puxado. Havia menos burocracia do que temos hoje, mas sofreram muito mais do que nós pois era mais díficil ter uma funerária naquela altura”, recorda Cristina orgulhosa do percurso do progenitor que também ela, bem cedo quis que fosse o seu: “Eu gostava disto e o meu pai aliciou-me com a possibilidade de ganhar o meu dinheiro. Disse-me para vir trabalhar para a agência como recepcionista e eu vim. Tinha 19 anos. Mas, sabe que ele me enganou? Sim, porque disse-me que ia ser só recepcionista e olhe, acabei a fazer tudo. Agora faço tudo.”
 
De sorriso espalhado na voz, Cristina fala ao Até Sempre da ligação ao pai, ao irmão e à profissão: “Comecei a trabalhar no dia 23 de Janeiro. Nunca mais me esqueço… O chato é que não podia ir beber café com as minhas amigas. À tarde elas iam para o café e eu tinha de ficar a trabalhar. Nessa altura só cá estava eu com os meus pais. O meu irmão ainda foi estudar mais uns anos. Só veio para a funerária mais tarde. Primeiro vinha de dia e estudava de noite. Depois os estudos foram ficando dificeis de conciliar, pois o trabalho era muito e pronto, por cá ficámos os dois juntos. Nasceram-me aqui os dentes e vão-me cair aqui também pois nem tenho tempo de ir ao médico para os tratar (risos).”
 
O entendimento com o irmão “sempre foi bom. Facilita a óptima relação que sempre existiu”. Ambos defendem com orgulho os ensinamentos do pai Américo, que começaram há 50 anos. “Disse-me sempre para andar de cabeça levantada e para nunca dever nada a ninguém. Para sermos honestos e correctos com as pessoas. A verdade é que entram aqui clientes e saem amigos”, afirma Cristina, orgulhosa, antes de soltar: “Quando se trabalha com gosto ajuda e eu gosto disto.”
 
“O mérito é do velhote”
 
Quem também gosta disto é o irmão Carlos. Aos 53 anos de vida olha para o meio-século de história da Funerária Alto Pina com enorme satisfação: “O velhote conseguiu fazer do zero. O mérito é todo dele. Nós só tivemos de manter. O grande criador foi ele. O meu pai, à maneira dele, soube sempre deixar fazer. Quando começámos a trabalhar com ele tivemos algumas divergências geracionais saudáveis. Ainda hoje nos focamos em fazer como ele nos ensinou.”
 
Carlos Almeida sabe na ponta da língua os pilares que garante fazerem parte da Funerária Alto Pina: “A nossa missão é apoiar os clientes com honestidade, competência e qualidade. Agimos com respeito e solenidade, dignificando a cerimónia que estamos a organizar com empenho, honestidade e humildade. Acredito que a funerária pode ajudar em várias fases, dando ao cliente um acompanhamento personalizado. Para nós a fidelização do cliente é feita pela qualidade dos serviços, mas também nos preocupamos com a formação contínua dos nossos profissionais, respeitando a tradição e os valores éticos.”
 
Carlos é um comunicador e sabe que essa característica marca a sua profissão de agente funerário: “Gosto de poder ser útil, mais do que o lado comercial. Não gosto de vender o que o cliente não tem necessidade de comprar, por isso fica tudo mais fácil.”
 
Orgulha-se de ser o rosto de uma funerária com 50 anos de história, não traçando grandes metas para o futuro. “Não tenho aspiração a sermos líderes de mercado ou de sermos mais do que aquilo que somos. Chegar aos 50 anos tem o seu mérito e se continuar a trabalhar é crescer, então estamos a crescer. Quero manter os padrões, pois sei que podemos ombrear com qualquer empresa. Não quero fazer igual ou melhor do que ninguém. Eu faço assim e depois quem julga é o cliente.”
“Só peço mais 25 anos assim e depois logo se vê, pois devo reformar-me”, afirma a irmã Cristina a sorrir, concluindo: “Não há futuro. Há o dia a dia. Quem trabalha tem dinheiro por isso só peço de tenhamos saúde.”
 
“Com eles sou feliz”
 
Os 50 anos da Funerária Alto Pina quase de confundem com uma grande parte da vida daquele a que todos tratam carinhosamente por “Senhor Pereira”. Um homem da confiança de Américo Almeida que viu Cristina e Cralos crescer. Que os acompanhou desde sempre. Até hoje. “Pertencer a esta casa é um grande orgulho para mim. Gosto deles como gosto das minhas filhas. Enquanto me quiserem ao lado deles vou continuar. Vou fazer 44 anos nesta casa. É muito bom. Como são a Cristina e o Carlos? Um é a mãe e o outro o pai. Cada um com o seu feitio, mas sempre nos demos bem. Trabalhamos com alegria e sinceridade. Com eles sou feliz. O Carlos sabe muito disto. Dedicou-se ao setor funerário de alma e coração e é um prazer trabalhar com ele”, confessa à nossa reportagem o senhor Pereira. As comemorações dos 50 anos da funerária já ninguém lhe tira…

 

x Notificação de falecimentos
x INSCRIÇÃO WORKSHOP LUTO