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Escuta Ativa na Comunicação com Sentido - Perspetiva de um Voluntário em Cuidados Paliativos
'Quem vai “morrer ensina-nos a viver” (...)Nada há de mais realista do que esta constatação.'

3/05/2017
Autor: Cristina Seabra - Conselheira do Luto®, Colaboradora no projeto Cfeliz, Pós-graduada em Cuidados Paliativos

 

A presença efetiva e disponível dos voluntários facilita a comunicação e a partilha, encorajando a busca de um sentido para a vida. Enquanto voluntária em Cuidados Paliativos descobri a força da compaixão, no sentido nobre do termo, quando colocada ao serviço da relação de ajuda. Tal envolve necessariamente a adoção de uma atitude empática e de rigor ético pessoal, aliada ao desenvolvimento de competências técnicas de comunicação eficazes. A escuta ativa pode fazer a diferença no fluir da comunicação e requer uma prática consistente, nem sempre fácil no tempo escasso de convivência, com os doentes em fim de vida.
 
Cada paciente que se visita hoje e que não sabemos se iremos encontrar amanhã obriga-nos a um trabalho interior de consciencialização e desapego, ao confronto nu e cru com a vulnerabilidade que nos caracteriza, com a morte sem data nem hora marcada, que um dia chegará. Apesar disso como decorre da minha própria experiência, quando atendemos aos sentimentos de alguém e a comunicação se centra na relação, os recursos pessoais emergem e a clarificação interior acontece. A comunicação fica assim menos sujeita a mecanismos de projeção e a perceção do ajudante ganha por isso contornos mais autênticos. Ao calar o diálogo interno, apaziguamos os nossos medos pessoais o que nos torna mais abertos e disponíveis para a focalização na presença do outro. 
 
Cuidar de doentes em fim de vida constitui um desafio constante ao nosso equilíbrio e estabilidade emocionais, são muitos degraus para aprender a subir e crescer, a nível pessoal e espiritual. Este caminho de procura interior que nos leva à descoberta de nós próprios e depois ao encontro com o outro deverá ser constante no processo de individuação pelo qual tomamos consciência das nossas fragilidades e incongruências.
 
Quem vai “morrer ensina-nos a viver” - é a mensagem de Marie de Hennezel, psicóloga da Unidade de Cuidados Paliativos do Hospital Universitário de Paris. Nada há de mais realista do que esta constatação. A iminência da morte do outro espelha a nossa própria morte e obriga-nos a uma reflexão sobre a nossa própria vida e o seu significado.
 
Confrontados com mil afazeres e preocupações materiais, lutamos diariamente para ganhar vida, por vezes para lhe ganhar, como se ela pudesse ser nossa para sempre. Potencialmente distraídos de nós e da nossa espiritualidade, tomamos a vida como certa, garantida e eterna, como se não houvesse nada mais para além dela.
 
Enquanto voluntária, continuo a aprender como acolher o carrossel de emoções que assolam o doente em fim de vida, e que nos afectam inevitavelmente na consciência de uma finitude que também é a nossa. A vivência de emoções como o medo, a tristeza, a surpresa, a ansiedade, a culpa, o orgulho, a felicidade ou a desesperança fazem parte do instinto humano de adaptação e sobrevivência, ainda que nem sempre nos permitamos vivê-las em liberdade.
 
A nossa história de vida, como sinal da nossa identidade, leva-nos a afeiçoar umas e a negar outras, desenvolvendo padrões de comportamento que nos aprisionam. Se disso não tivermos consciência, arriscamo-nos a ficar reféns dos mecanismos de defesa que adotámos para evitar o sofrimento.
Só trazendo-os à Luz, através da experiência e do reconhecimento, nos podemos libertar daquilo que nos impede de compreender que, “quando aprendemos a morrer, aprendemos a viver”.
 
Saiba mais www.cfeliz.pt
 
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